Enquanto há tempo para cartas de amor (para quem?)

Julieta Al
2 min readJan 5, 2019

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Lembro da minha primeira semana no Porto. Ainda desbravadora, invicta como a cidade, resolvi sair à rua apesar do prenúncio de um furacão. Vi-me perdida e com o guarda-chuva destroçado pelo vento que, para piorar, cortava-me a cara com gotas geladas. E, sem querer, vi-me rindo da desgraça, pensando o que estava fazendo ali no meio da rua sozinha, longe de casa, sem saber como chegar a qualquer lugar. Mas de algum jeito, tudo ia ficar bem naquele momento. Se pensar direitinho, a imagem cai bem enquanto procuro alguma metáfora cafona que colora esta tentativa de escrever sobre nós dois, sobre essa relação, sobre esse início estrondoso e sobre esse fim latente que tem me assombrado desde que comecei a perceber-me sem rumo.

É hora de ir me despedindo, mesmo sem um adeus sonoro, mesmo que isso não acabe já, mesmo que isso não acabe. É doloroso, mas de certa forma serve como um exercício de volta a casa, de volta a mim, ao que preciso fazer por mim mesma. É uma carta para não ser enviada. No fundo, sinto que você veio com muito mais do que eu pude conter no meu corpo de recém-chegada: uma reação química explosiva cheia de filhos e família casa quintal cachorro galinha. Cheia de você, risonho quente amável. Cheia das palavras gostar querer amar. Cheia de entrega. Mas, a verdade é que lidar com a própria entrega se torna necessário e dolorosíssimo aprendizado.

Por isso, volto agora à minha trilha (eu quero dizer de formiga, mas sai besouro rola-bosta), que eu preciso fazer só. Nesse esforço, que a parte autoflageladora de mim supõe ser semelhante a mito grego, ainda preciso lutar contra os impulsos de sabotagem e de isolamento que andam comigo desde tempos ancestrais. Por isso, ouso, contra os meus impulsos mais primários, dizer que não, que esta não é e não pode ser uma carta de adeus: é, sim, proposta de recomeço. Para mitigar a nossa reação explosiva, para fazer possível que eu possa ser só mas ao seu lado, para fazer com que palavras sejam carne. E que os prenúncios, no fim, não tenham o poder de definir onde a tempestade nos encontra.

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