Feet over head

Julieta Al
2 min readSep 3, 2021

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Sonhei, na noite passada, que um ex namorado sequestrava meus sapatos e me deixava varada ao pé de uma livraria no Porto (aquela que se autointitula um monte de coisa), no meio da chuva. Sem saber o que fazer, saí correndo e gritando atrás dele para que devolvesse meus sapatos. Voltar àquela livraria que um dia explorou o meu trabalho não era uma opção. Querer saber por que o outro levara meus sapatos tampouco importava muito. Eu só queria meus sapatos. Então, sem outra escolha, saí pela rua, pés descalços, cabelo molhado.

(Lembrei-me agora daquele caldo de furacão gelado que me pegou a pé naquela mesma região do sonho, na altura dos Clérigos. Aquela fora uma recepção bem simbólica do que seria a minha estadia na Cidade Invicta. Lembro-me de usar esse mesmo furacão em um texto-carta para descrever o arrebatamento que tinha sido conhecer aquela pessoa. De fato, foi um evento que me deixou de ponta-cabeça).

Pois bem, esses pés, que antes tinha eu por cabeça, agora pisavam o chão molhado, sem nenhuma proteção ou direção. Curiosamente – e que coisa maravilhosa o sonho – meti a mão no bolso e achei uma chave, que me deu logo o meu destino. E, sem pensar duas vezes, lá se foram meus pés, tal como peixinhos subindo a encosta de um rio, em busca de outros sapatos.

E foi assim que cheguei aonde queria: calcei-os, sem prestar muita atenção no aspecto deles, peguei minhas malas, fechei a porta atrás de mim e acordei.

Minha história não tem moral, mas acho que tem desfecho. Um desfecho feliz, com novos sapatos, secos e confortáveis, além da certeza de que, mesmo sem eles, dá para correr.

A quem levou os meus sapatos, pode os largar em algum canto qualquer, não estou zangada: acho que deixei sua chave na porta encostada.

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