Rx 2

Julieta Al
2 min readSep 28, 2021

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Hoje, curiosamente, na mesmíssima hora em que a Lua entrava no seu domínio, o signo do Caranguejo, tive uma conversa com a Bianca sobre os dispositivos da memória e da escrita. Sobre como o pequeno, o outrinho, sob o prisma da “conexão com aquele espírito de extrair o universo das coisas íntimas” da escrita, nas palavras dela, se transforma em Significant Other, e há algo de humilde nisso.

Lembrei do M&M que comi um dia voltando da escola, com meus doze anos de idade, numa conversa com uma outra amiga querida sobre a loucura que era se esquecer das coisas. E agora não lembro se era azul ou marrom, mas que louco pensar toda vez nisso apenas porque constatei, naquele momento, que nunca mais me lembraria do M&M que comi na saída da escola. Lembrar de lembrar, ou melhor: lembrar de esquecer. E o corpo lembra, décadas depois.

A memória, assim, revela o lado trágico da nossa biologia (Bianca e suas frases): a capacidade que o nosso corpo tem de imaginar os detalhes a partir de uma estrutura, de lembrar algo só porque o plasmado naquela lembrança foi a própria capacidade de lembrar. E, nisso, nada é destruído, mas passa por um filtro sobre o qual não exercemos controle nenhum. Brincamos de Deus com ela, mas o nosso ponto cego é o dedo do Diabo nessa criação: o esquecimento se abre aos detalhes, insignificantes, porém importantíssimos.

E ressurge a memória, gigante, ao contato com uma coisa qualquer, com uma palavra qualquer, e quer ser fixada como uma palavra qualquer, para nunca mais ser esquecida. Mas acontece que a mesma memória pode ter mil palavras, em mil idiomas. E milhares de possibilidades. O M&M podia ser azul ou marrom, pouco importa, mas está ali, está aqui e é colossal neste mesmo instante.

Mas aí, essa memória interna das coisas pequenas e das não tão pequenas só se sujeita ao Tempo desse mesmo corpo que lembra (não posso deixar de pensar que Saturno tem exílio no Caranguejo), e, então, o que fazer com a angústia de que toda essa imensidão das coisas pequenas um dia será esquecida? Nada. Escrever. Ou nada.

Porque o corpo é como a Lua, ou a Lua é como o corpo, sujeita ao eterno movimento de todo mês voltar ao mesmo ponto e de lembrar da própria natureza passageira das coisas (passageira, porém eterna) e lembrar é bom para depois esquecer e esquecer é bom para depois lembrar, e ainda bem que a gente lembra, mas ainda bem que a gente esquece também. A lua, assim como o corpo, é dona das coisas pequenas, passageiras, dos M&Ms e das tirinhas de papel.

Olho, de novo, para a tirinha de papel com a letra da minha mãe na minha frente e penso: que viagem, até parece que vou esquecer.

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